O livro de Vincenzo Ruggiero sobre "The Crimes of the Economy: A Criminological Analysis of Economic Thought" propõe-se a fazer uma leitura criminológica do pensamento econômico, uma empreitada que aproxima a criminologia não só da economia, como também da sociologia do conhecimento.
Ao analisar cada corrente histórica da economia, ele atenta para o contexto e suas possíveis repercussões criminogênicas: vitimização que é produzida pela aplicação destas ideias, a possível legitimação para condutas socialmente danosas. A análise, apesar dos propósitos sucintos, acaba se expandindo para análises das relações entre atividades econômicas, especialmente no mercado, sistemas jurídicos e penais e diversas formas de "violência" entendidas no sentido amplo de quaisquer ações que produzam vitimização, o que muitas vezes abarca práticas que não eram ilegais em dado contexto: escravidão, guerras ou simplesmente atirar milhões à miséria.
De certa maneira, a análise dos "crimes da economia" é uma interessante inversão da chamada "economia do crime", que se propõe a usar fundamentos analíticos do pensamento econômico, sobretudo a microeconomia ortodoxa, para explicar as variações na incidência criminal, com base, principalmente, no conceito de dissuasão penal.
O livro, por outro lado, expõe-se facilmente à acusação de anacronismo, tendo em vista que liga os conceitos econômicos a condutas que hoje são criminosas, mas não eram assim consideradas. O mais marcante é a leitura do mercantilismo, cujos argumentos foram utilizados para justificar guerras de conquista e criação de sistemas de tráfico e exploração de seres humanos escravizados, em prol do lucro e da acumulação de metais preciosos. Só que nada disso era considerado crime na época: a escravidão era um sistema regulado e protegido por leis, que asseguravam-na como um meio legítimo de enriquecimento pessoal para os traficantes de escravos e seus clientes, ao tratar um ser humano como passível de ser propriedade privada de outro. Sem dúvida é um sistema com vítimas, os escravizados, e agressores, os escravizadores. "Crime", por isso, às vezes é utilizado, em sentido amplo, como uma conduta socialmente danosa, isto é, produtora de vitimização, especialmente quando se trata de uma grave vitimização (certamente o caso da escravidão ou da guerra). Por outro lado, este capítulo conecta a criminologia e a economia a temas habitualmente esquecidos nestas disciplinas, como o colonialismo, o que é muito interessante.
À medida em que adentra em períodos mais modernos, a vulnerabilidade da argumentação de Ruggiero à acusação de anacronismo diminui, pois os assuntos se tornam mais familiares. Na verdade, alguns deles estão claramente presentes nos debates do dia, como o "socialismo dos ricos" praticado como um keyneseanismo reverso, quando os governantes usam fundos públicos para auxiliar grandes empresas, enquanto abandonam milhares de desempregados e destituídos em meio a crises; o encorajamento aos danos sócioecológicos de larga escala pela defesa neoliberal do crescimento econômico ilimitado sobre um mundo natural limitado; a legitimação dos crimes de colarinho branco pela economia marginalista, ao retratar como heróis injustiçados os investidores e gestores capitalista que burlam a lei e causam danos sociais (superexploração de pessoas socialmente vulneráveis, insalubridade e insegurança nas condições de trabalho, sonegação e fraudes financeiras etc) para aumentar os próprios lucros; a aplicação das ideias de Malthus para controlar a superpopulação deixando que grandes contingentes da população pereçam por causas evitáveis; e assim por diante.
A ideia por trás dessa leitura criminológica do pensamento econômico é familiar a quem pesquisa o assunto: trata-se do conceito de que a criminalidade é aprendida mediante a interação em um dado contexto social, na qual há uma transmissão cultural das práticas criminosas e danosas, gerando subculturas delitivas que muitas vezes consideram o sucesso individual como a meta legítima, mas são indiferentes à moralidade dos meios para alcançá-lo, o que contribui para que criminosos desenvolvam técnicas de neutralização, que justificam a sua conduta com argumentos que reduzem a sua culpa ou até a invertem. Nas bocas e penas dos poderosos, o pensamento econômico muitas vezes presta o serviço de justificar condutas socialmente danosas, alimentando as subculturas